O Projeto Comprova é uma iniciativa colaborativa, apartidária e sem fins lucrativos liderada pela Abraji e que reúne jornalistas de 42 veículos de comunicação para zelar pela integridade da informação que molda o debate público. O objetivo é oferecer à audiência uma compreensão clara e confiável dos acontecimentos e contribuir para a integridade do ambiente digital e para uma sociedade mais bem informada e resiliente à desinformação e a golpes e fraudes virtuais.
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Política

Investigado por: 30/10/2025

Não há evidências de que brasileiros estariam fugindo ‘em massa’ para o Paraguai por ser um país governado pela direita

Política
Estatísticas do Ministério das Relações Exteriores indicam que o fluxo migratório para o país vizinho vem crescendo desde a última década.

Diferentemente do que sugerem publicações na internet, não há uma “fuga em massa” de brasileiros indo morar no Paraguai por ele ser “governado pela direita”. O fluxo migratório entre ambos os países é motivado por diferentes fatores e vem crescendo constantemente nos últimos anos, tanto durante o governo Lula (PT), de esquerda, quanto durante o mandato de Jair Bolsonaro (PL), de direita, entre 2019 e 2022.

A imagem de uma página do Instagram diz: “‘Fuga em massa’: brasileiros deixam o Brasil rumo ao Paraguai governado pela direita”.

O Comprova não localizou a postagem original. No entanto, outros portais publicaram, no início de outubro, textos com o mesmo teor. Um deles aponta que foram concedidas 17.139 residências a cidadãos do Brasil em 2024, o que representa 60,21% do total de imigrantes registrados no Paraguai no ano, informação confirmada pelo Departamento de Migrações do país em comunicado.

A mesma instituição destaca, em outra nota, que no primeiro semestre de 2025, o Brasil se manteve no topo do ranking de solicitações de residência, com um total de 11.723 pedidos.

Entretanto, dados do Ministério das Relações Exteriores indicam que o número de brasileiros vivendo no Paraguai vem crescendo há anos, independentemente da orientação política dos presidentes do Brasil.

Desde 2018, o Itamaraty divulga, em seu site, os Relatórios Consulares Anuais, que destacam o crescimento na quantidade de migrantes no país vizinho de 235.670 para 263.200, um aumento de aproximadamente 11,7%, até 2023, último ano com um levantamento das informações de migração entre Brasil e Paraguai disponível.

Apenas entre 2018 e 2022, período que abrange o fim do governo de Michel Temer até a gestão Bolsonaro, o número de brasileiros morando no Paraguai subiu de 235.670 para 254.000. Veja os dados detalhados a seguir, segundo os Relatórios Consulares Anuais do Itamaraty

 

O presidente do Paraguai é Santiago Peña, do Partido Colorado, identificado com o conservadorismo e o liberalismo econômico. O partido governa o país desde 2013, com os mandatos de Horacio Cartes e de Mario Abdo Benítez até a posse do atual mandatário, em 2023.

Especialistas discordam de ‘fuga em massa’

Ao Comprova, Paulo Illes, diretor executivo da 4Rs Consultoria em Migração e ex-coordenador de Políticas Migratórias do Ministério da Justiça e Segurança Pública, considerou a ideia de “fuga em massa” de brasileiros para o Paraguai uma leitura “muito rasa da realidade”.

“O Paraguai sempre foi um país de destino para brasileiros. Nos últimos anos — e não é de agora, no governo Lula —, o Paraguai vem implementando políticas de atração de investimentos. Um exemplo é a Lei das Maquilas, criada há mais de dez anos, que reduziu impostos e lançou campanhas mostrando que era mais barato produzir no Paraguai e vender no Brasil do que produzir na China e vender no Brasil”, disse.

Ele também esclareceu que o país tem se beneficiado do uso da energia de Itaipu e que vive um verdadeiro ‘boom’ industrial. “Muitas empresas brasileiras têm se instalado lá, aprofundando o processo de integração econômica. Portanto, não se trata de uma descoberta recente nem de um movimento motivado por questões políticas no Brasil, mas sim de uma estratégia de desenvolvimento do próprio Paraguai para atrair investimentos e fortalecer sua indústria.”

Paulo também ressalta que o fluxo migratório do Brasil para o Paraguai vem crescendo desde a década de 1970, sob o governo Médici. “Quando a gente fala que o Paraguai é o país da América do Sul com mais brasileiros, isso tem tudo a ver com aquele grande fluxo migratório das décadas de 1970 e 1980. Foi um período em que os laços entre o Brasil e o Paraguai se restabeleceram. O Brasil devolveu símbolos pátrios paraguaios tomados na Guerra da Tríplice Aliança, foi construída a Ponte da Amizade e surgiu o projeto de Itaipu, a maior obra binacional do continente.”

O especialista enfatiza que diversos brasileiros que migraram para o Paraguai no último século retornaram entre 2000 e 2015, mas muitos permaneceram e se consolidaram como grandes produtores de soja no país. “O que muda agora é que, com a Lei das Maquilas, o Paraguai passou a atrair também mão de obra brasileira, principalmente para o setor industrial. Isso tem gerado novos fluxos migratórios, inclusive com debates sobre as condições de trabalho nessas empresas”, ponderou.

A jornalista Hannah de Moliner, administradora da página Brasileiros em Assunção, destacou que desde a pandemia, o Paraguai tem se tornado um destino atrativo para os brasileiros por uma série de fatores.

“Eu acho que tem uma questão política, mas não sei dizer se todos que estão aqui vieram por esse motivo apenas, da reprovação do governo do Brasil. Se fala muito isso nas redes, mas pelo menos aqui em Assunção, tem muita gente que vem estudar medicina também. Tem gente que saiu do Brasil com uma proposta melhor que encontraram aqui, principalmente na área de tecnologia, porque eles buscam profissionais nessa área, empresas internacionais”, afirmou.

Na opinião de Hannah, o Paraguai possui algumas vantagens em comparação com o Brasil, como impostos menores e um custo de vida mais baixo, dependendo do local onde o residente mora. “O custo de vida é mais baixo, principalmente se você vem de alguma das capitais [do Brasil], em especial falando do eixo São Paulo e Rio de Janeiro. Comparando com esses meios aqui, eu diria que vivemos pelo menos 30% mais barato. Agora, depende muito. Tem gente que vem lá do interior do Maranhão para cá e fala que aqui é mais caro”, opinou.

Qual o tamanho da comunidade brasileira no exterior?

A comunidade brasileira no exterior cresce ano após ano. Ela passou de quase 2,8 milhões de pessoas vivendo em outro país em 2015 para cerca de 4,9 milhões em 2023. Veja os dados, conforme os Relatórios Consulares Anuais (o Ministério não divulgou o número de alguns anos, e em outros, divulgou apenas os números aproximados):

Quem criou o conteúdo investigado pelo Comprova

O autor do conteúdo analisado é um perfil no Instagram que diz ser um veículo de notícias e teria publicado, em suas redes, a manchete “‘Fuga em massa’: brasileiros deixam o Brasil rumo ao Paraguai governado pela direita”. No entanto, o Comprova não conseguiu localizar o texto em questão. Procurado, o “Gospel News”, que tem mais de 19 mil seguidores no Instagram, não respondeu aos nossos questionamentos.

A imagem também foi repostada no X por um perfil com mais de 90 mil seguidores, com a legenda: “A pior coisa que pode acontecer a um cidadão é ter que deixar o seu país para fugir de um desastre econômico”. A descrição da conta indica que ele posta sobre “política e temas aleatórios”, com postagens de teor à direita. O perfil não permite o envio de mensagens diretas e, portanto, não foi possível contatá-lo.

Por que as pessoas podem ter acreditado

A imagem do post apresenta o presidente paraguaio Santiago Peña e um texto que induz o leitor a acreditar que a motivação de um fluxo migratório intenso de brasileiros para o Paraguai é o fato do país vizinho ser governado pela direita, enquanto Lula (PT) é o mandatário do Brasil.

O post usa uma captura de tela que simula uma notícia, o que dá a sensação de credibilidade para o leitor, mesmo que tudo tenha sido inventado. Pessoas com uma visão mais crítica à esquerda podem acreditar mais facilmente no conteúdo, pois ele se alinha ao que já acreditam. Assim, elas não refletem se o texto faz sentido nem buscam outras fontes.

Fontes que consultamos: Dados do Departamento de Migração do Paraguai [1] [2], Ministério das Relações Exteriores, Paulo Illes e Hannah de Moliner.

Por que o Comprova investigou essa publicação: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e em aplicativos de mensagens sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas, eleições e golpes virtuais e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: O Comprova já avaliou um post enganoso que tratou a quantidade de brasileiros no exterior como fluxo migratório recente, além de uma publicação sobre uma “fuga recente de venezuelanos” ao Brasil.

Política

Investigado por: 29/10/2025

Vídeo de produtor criticando governo por conta do preço do arroz é de 2018

Política
Gravação voltou a circular; tirada de contexto, sugere erroneamente que homem estaria criticando governo Lula, quando, na verdade, presidente era Michel Temer.

Vídeo que mostra um homem descartando arroz em frente a uma agência do Banco do Brasil enquanto critica o governo está sendo usado fora de contexto. A gravação é verdadeira, mas foi feita em 2018, não em 2025. Ou seja, diferentemente do que os posts atuais sugerem, o protesto, realizado em Querência do Norte, no Paraná, era contra o governo de Michel Temer (MDB), presidente à época, e não contra Lula (PT), o atual chefe do Executivo.

O homem que aparece no vídeo afirma, entre outros pontos, que “não compensa plantar arroz” porque o produto “não tem valor” e que o Brasil está sendo governado “por uma quadrilha”. Ao fazer uma busca no Google com as palavras “produtor”, “arroz”, “banco” e “Paraná”, o Comprova encontrou uma reportagem publicada em 25 de maio de 2018 pela BandNews TV. No YouTube, uma pesquisa por “arroz” e “Querência” mostrou o vídeo publicado dois dias antes.

Segundo o veículo, “entre as principais reivindicações dos rizicultores estão a diminuição dos gastos de produção por meio de cortes de impostos e uma negociação com o Mercosul” para rever acordos sobre a entrada de arroz do Paraguai no Brasil.

No vídeo, o homem também afirma que os produtores vão se juntar aos caminhoneiros “para pedir para esse Brasil um basta”. Ele diz que os caminhoneiros estão parados e critica a alta do preço do combustível. A paralisação começou em 21 de maio de 2018 e durou dez dias.

Coluna da Folha de S.Paulo publicada em 23 de maio daquele ano, mesma data da publicação do vídeo no YouTube, dizia que, segundo Vlamir Brandalizze, analista da Brandalizze Consulting, de Curitiba, a saca de arroz “está sendo vendida entre R$ 35 e R$ 36, um valor que não cobre o custo de produção, próximo de R$ 40”.

Quem criou o conteúdo investigado pelo Comprova

Um dos perfis que publicou o vídeo, retirando-o de contexto, tem apenas sete publicações. Os três primeiros posts são com imagens de crianças, e os quatro mais recentes são sobre política – dois deles contêm desinformação. Além do post verificado aqui, o perfil também desinforma na penúltima publicação, com um vídeo que diz, erroneamente, que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, teria dito que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) teria cobrado poucos impostos dos brasileiros, o que não é verdade, como verificado pelo Comprova.

O post sobre o protesto no Paraná tinha 29,2 mil compartilhamentos e 42,2 mil curtidas até 29 de outubro.

O Comprova tentou contato com o perfil, mas não houve resposta até a publicação deste texto.

Por que as pessoas podem ter acreditado

Ao utilizar um vídeo gravado durante a gestão Temer e apresentá-lo como se fosse um evento atual, o vídeo usa a tática da descontextualização, muito comum entre os desinformadores.

Sem informar a data em que ocorreu, as pessoas — principalmente as que já têm uma visão negativa sobre Lula — logo pensam que as imagens são de agora. E, ao se depararem com algo que confirma o que elas já acreditam, a chance de os internautas verificarem a informação é menor.

Fontes que consultamos: Pesquisa no Google e reportagens sobre produção de arroz e a greve dos caminhoneiros em 2018.

Por que o Comprova investigou essa publicação: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e em aplicativos de mensagens sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas, eleições e golpes virtuais, e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: Estadão Verifica, Reuters e Lupa também verificaram o mesmo conteúdo. Outras publicações que usavam a produção de arroz para desinformar já foram investigadas pelo Comprova, como a que dizia, de forma enganosa, que o arroz chinês era de plástico e seria importado para o Brasil. Na seção Comprova Explica, foi detalhada a medida do governo de zerar taxa de importação do arroz e suas consequências.

Comprova Explica

Investigado por: 27/10/2025

Entenda por que os Correios querem empréstimo de R$ 20 bilhões

Comprova Explica
Com aumento nas despesas e queda nas receitas ao longo dos últimos anos, estatal chegou a um prejuízo de R$ 2,6 bilhões em 2024.

Conteúdo analisado: Publicação que responsabiliza o governo Lula (PT) pela crise nos Correios.

Comprova Explica: Os Correios comunicaram, no dia 15 de outubro, que iniciaram negociações com bancos públicos para obter um empréstimo de R$ 20 bilhões, como parte de um programa de reestruturação financeira da empresa. Para mostrar como a estatal chegou a essa situação, o Comprova explica o caso.

Indicadores dos Correios em baixa em 2024

A crise nos Correios pode ser explicada por diferentes índices que apresentaram desempenho negativo, conforme a última demonstração contábil de 2024, publicada no Diário Oficial da União em 9 de maio de 2025.

Desempenho financeiro: foi registrado prejuízo de R$ 2,6 bilhões, quatro vezes maior do que o registrado em 2023, estimado em R$ 597 milhões. Foi a primeira vez, desde 2016, que os Correios tiveram prejuízo bilionário em suas operações, sendo que, na época, o rombo foi de R$ 1,5 bilhão (R$ 2,3 bilhões em valores atualizados).

Total de ativos: atingiu R$ 16 bilhões, o que representa uma queda de 11,20% em comparação com 2023, devido principalmente à redução de R$ 3 bilhões nas aplicações financeiras.

Patrimônio líquido: estava negativo em R$ 360 milhões em 2023 e passou a um valor negativo de R$ 4,4 bilhões em 2024. Ou seja, os passivos (dívidas totais) superaram os ativos (bens e dinheiro em caixa).

Despesas gerais e administrativas: passaram de R$ 4 bilhões em 2023 para R$ 4,7 bilhões em 2024.

Receita total: houve uma redução de 0,89%, passando de R$ 21,67 bilhões em 2023, para R$ 21,47 bilhões em 2024, sendo que na receita de vendas e serviços foi de 1,74%. De acordo com a estatal, o resultado negativo foi impactado principalmente pelos serviços internacionais e de mensagens, que registraram diminuições de R$ 531 milhões e R$ 157 milhões, respectivamente.

O serviço de encomendas, por sua vez, teve um desempenho positivo, com um aumento de R$ 157 milhões em relação a 2023. As despesas totais apresentaram crescimento de 7,91%, passando de R$ 22,30 bilhões para R$ 24,06 bilhões no período avaliado.

 

Situação permanece ruim em 2025

No dia 5 de setembro, a empresa divulgou as demonstrações contábeis do segundo trimestre deste ano, nas quais registrou queda nas receitas, crescimento das despesas operacionais e aumento dos passivos judiciais.

As receitas totalizaram R$ 8,9 bilhões no primeiro semestre, o que representa uma redução de 9,5% em relação ao mesmo período do ano anterior. O segmento de encomendas respondeu por R$ 4,7 bilhões do total das receitas de vendas. Já o segmento internacional somou R$ 816 milhões, o que representa uma queda de 61,3% em relação ao primeiro semestre de 2024.

As despesas do período chegaram a R$ 13,4 bilhões, com destaque para os pagamentos de precatórios, que registraram um aumento de 512%. Por outro lado, itens como transporte, serviços de terceiros, aluguéis e utilidades tiveram redução.

Na avaliação do especialista em Direito Empresarial Marcelo Godke, ouvido pelo Comprova, ao longo dos últimos anos, a estrutura da estatal ficou pesada, cara e pouco competitiva.

“Além disso, o mundo mudou. O envio de cartas e boletos caiu drasticamente, enquanto o comércio eletrônico exigiu logística ágil, rastreamento em tempo real e automação. Empresas privadas se modernizaram rapidamente, mas os Correios ficaram presos à burocracia, greves, passivos trabalhistas e decisões políticas. O resultado foi a perda de espaço no mercado e o acúmulo de prejuízos”, disse.

Justificativas dos Correios para a crise

Tanto no balanço financeiro de 2024 quanto no do segundo semestre de 2025, os Correios citam “modificações na regulação dos produtos importados” como justificativa do resultado negativo das receitas, alegando que o setor foi “fortemente afetado por mudanças regulatórias recentes”.

As mudanças na regulação citadas pela empresa dizem respeito ao programa “Remessa Conforme”, criado pelo Ministério da Fazenda em 2023, no qual o governo federal passou a cobrar imposto de 20% sobre compras internacionais de até US$ 50, até então isentas para as empresas. A medida ficou conhecida como “taxa das blusinhas”.

Com esse programa, deixou de ser obrigatório usar os Correios para a distribuição doméstica dessas encomendas, permitindo que outras transportadoras realizassem o serviço.

Os Correios manifestam ainda que o setor privado de logística no Brasil vem passando por uma transformação acelerada, impulsionada pelo crescimento do e-commerce, pela tecnologia e por modelos de entrega cada vez mais rápidos e agressivos. Desta forma, na avaliação da estatal, a ausência de investimentos nos últimos anos aumentou a pressão sobre estruturas operacionais e administrativas mais rígidas e de custo elevado, reduzindo sua competitividade.

A situação do empréstimo

Até o momento, o contrato de crédito ainda não foi fechado e está em fase de negociação, segundo o presidente da companhia, Emmanoel Schmidt Rondon. O modelo proposto é o de um consórcio de bancos, em que instituições financeiras atuam de forma conjunta para ofertar o capital necessário, em termos compatíveis com o mercado de crédito atual.

“Estamos optando por uma operação que os Correios conseguem suportar, à luz dos resultados que esse pacote de reestruturação vai começar a produzir, com técnica e responsabilidade. O setor postal enfrenta desafios no mundo inteiro, mas o caminho é o mesmo em todos os países que conseguiram reagir: gestão e eficiência. O plano dá início a uma agenda de reequilíbrio, com medidas concretas, baseadas em transparência e governança”, afirmou Emmanoel Rondon.

No dia 23 de outubro, o presidente da Caixa Econômica Federal, Carlos Vieira, afirmou à Folha de S.Paulo que o banco vai criar um fundo imobiliário com imóveis dos Correios para ajudar a estatal a obter novas receitas e reequilibrar sua situação financeira. Segundo ele, a medida é complementar à concessão de um empréstimo, na qual a participação da Caixa ainda está em discussão.

Plano de recuperação dividido em três grupos de medidas

O empréstimo bilionário solicitado pela empresa faz parte de um plano de reestruturação mais amplo que inclui três grupos de medidas:

Corte de despesas operacionais e administrativas: a empresa afirmou que realizará um novo Programa de Demissões Voluntárias (PDV), com foco mais amplo, no qual será realizado um diagnóstico da força de trabalho, com um mapa de setores da companhia ou de territórios com desempenho insatisfatório. Empregados nessas situações poderão aderir, reduzindo a pressão na folha de pessoal.

Também está previsto um programa de venda de imóveis da estatal que estejam ociosos, o que possibilita a entrada de capital. Com isso, haverá também a redução de gastos com a manutenção desses espaços. Além disso, a empresa prevê renegociar contratos com seus maiores fornecedores em busca de condições mais vantajosas.

Recuperação da liquidez: busca por um aumento imediato na liquidez da empresa, por meio do empréstimo de R$ 20 bilhões, para dar conta da necessidade de caixa de 2025 e 2026, período no qual a estatal avalia que as demais medidas começarão a gerar resultados.

Diversificação de receitas e recuperação do caixa: a estatal pretende fazer um esforço de reaproximação com grandes clientes, ao mesmo tempo em que estuda experiências internacionais de atividades que possam ser acopladas à rede logística, sobretudo na área de serviços financeiros.

Segundo a estatal, essas medidas serão aprofundadas nas fases posteriores do Plano de Reestruturação, que dependem da empresa retomar sua plena capacidade operacional e sua saúde financeira para que surtam efeito.

O que a estatal pode fazer

Marcelo Godke ressalta que a recuperação judicial não é uma opção para os Correios, uma vez que o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que empresas estatais não podem se valer dos benefícios da Lei de Recuperação Judicial e Falências. “Ou seja, ao contrário de companhias privadas, os Correios não podem recorrer ao Judiciário para renegociar dívidas, suspender execuções ou reestruturar contratos nessa via”, explica.

No entendimento dele, a saída da crise passa por discussões sobre privatização ou capitalização com controle privado, com o Estado somente regulando serviços essenciais, e também abrange gestão profissional e metas de desempenho, com fim de indicações políticas e foco em resultados; e parcerias estratégicas e inovação, usando a capilaridade dos Correios para atuar em logística de e-commerce, medicamentos, entregas internacionais, armazenagem e tecnologia.

Fontes consultadas: Demonstrações contábeis, boletins com os resultados financeiros dos Correios, reportagens sobre o tema e o especialista em Direito Empresarial Marcelo Godke.

Por que o Comprova explicou este assunto: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas e eleições. Quando detecta nesse monitoramento um tema que está gerando muitas dúvidas e desinformação, o Comprova Explica. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Para se aprofundar mais: O Comprova já explicou que as razões que levaram ao déficit de R$ 2 bilhões nos Correios vão além da “taxa das blusinhas” e já desmentiu uma peça de desinformação envolvendo a estatal, mostrando que a distribuição de material de campanha pela estatal era regular, ao contrário do que dizia homem em vídeo.

Política

Investigado por: 23/10/2025

Foto em que Zezé Di Camargo pede liberdade para Bolsonaro foi gerada por IA

Política
Apesar de já ter se manifestado em favor da anistia aos condenados pelo 8 de janeiro, não há registros de que o cantor tenha levantado cartaz e vestido blusa em apoio ao ex-presidente.

Circula no X uma foto na qual o cantor Zezé Di Camargo aparece supostamente segurando um cartaz pedindo liberdade para o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), condenado à prisão por atentar contra a democracia, e vestindo uma camisa escrita “Eu apoio Bolsonaro”. A imagem não é verdadeira e foi gerada por inteligência artificial.

No dia 17 de outubro, o cantor chegou a levantar uma camisa pedindo anista para os presos acusados de participarem dos atos antidemocráticos de 8 de janeiro. No entanto, não estava com a camisa azul nem segurando cartazes, diferentemente do alegado na publicação.

Apesar de ser parecido com o cantor, o rosto na foto do post tem traços um pouco diferentes dos do artista, aparentando ser mais jovem. Além disso, a banda aparece tocando normalmente ao fundo, sem olhar para Zezé. São indicativos de que houve uma mistura de imagens com alterações digitais.

O Comprova submeteu a imagem à ferramenta SynthID, que consegue identificar se uma foto foi feita por humanos ou gerada por inteligência artificial do Google. A plataforma detectou uso de IA na parte central da imagem, onde aparecem o rosto semelhante ao do cantor, a camisa e o cartaz.

Como o Comprova explicou em junho, ferramentas de detecção de inteligência artificial podem falhar em buscas e checagens, mas, neste caso, a plataforma utilizada é do Google e mostrou que a imagem foi feita com outras ferramentas do próprio Google.

| Captura de tela da ferramenta SynthID. Na imagem à direita, é possível ver em azul as partes que foram geradas por IA.

A imagem também foi analisada pelo especialista em Segurança da Informação Gilberto Sudré a partir da ferramenta Foto Forensics. O especialista também encontrou sinais de adulteração (abaixo). “As marcas brancas indicam que esses objetos foram incluídos posteriormente na imagem”, explicou.

Além disso, por meio da busca reversa de imagens, tanto do Google Lens, como de ferramentas como TinEye, Yandex e Bing, não foram encontradas fotos semelhantes com Zezé Di Camargo com o cartaz declarando apoio explícito ao ex-presidente. A busca reversa é uma pesquisa que usa uma imagem em lugar de palavras para localizar imagens semelhantes publicadas na internet. Quando encontradas, elas servem para comparação ou para obter informações de contexto, como local e data de publicação, por exemplo.

Nas redes sociais do cantor e nas de fã-clube do artista também não foram localizados registros. O Comprova entrou em contato com Zezé Di Camargo, por meio da assessoria do cantor, mas não obteve retorno até a publicação deste texto.

Quem criou o conteúdo investigado pelo Comprova

O perfil que fez a publicação se identifica como de direita e bolsonarista, tendo 78,7 mil seguidores no X. As postagens fazem críticas ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), à esquerda e ao Supremo Tribunal Federal (STF).

A publicação analisada teve, até o dia 22 de outubro, 38 mil visualizações, seis mil curtidas, mil compartilhamentos e 306 comentários.

Por que as pessoas podem ter acreditado

O uso de inteligência artificial fez com que o rosto da foto ficasse semelhante ao de Zezé Di Camargo. Somado a isso, o fato do cantor já ter se manifestado politicamente em outras ocasiões a favor de Bolsonaro e de opositores do PT pode ter feito com que as pessoas acreditassem que ele teria declarado apoio novamente ao ex-presidente.

Nas eleições de 2014, o cantor pediu votos para Aécio Neves (PSDB), que disputava a presidência com Dilma Rousseff (PT). Em outubro de 2022, fez parte do grupo de sertanejos que se reuniu com Bolsonaro em Brasília antes do segundo turno das eleições presidenciais daquele ano.

Fontes que consultamos: As ferramentas SynthID, Google Lens, TinEye, Yandex e Bing, além da assessoria do cantor.

Por que o Comprova investigou essa publicação: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas, eleições e golpes virtuais e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: O uso de inteligência artificial para manipular imagens é uma tática muito utilizada por desinformadores. A AFP, por exemplo, já mostrou que um vídeo no qual Zezé Di Camargo aparecia declarando apoio a Lula havia sido criado digitalmente.

O Comprova já fez checagens semelhantes e mostrou que o vídeo em que Ivete Sangalo elogia o petista foi criado com IA, assim como a suposta gravação na qual Celso Amorim teria abraçado Nicolás Maduro.

Notas da comunidade: No X, não havia sido incluída nenhuma nota pela comunidade até a publicação desta verificação.

Política

Investigado por: 22/10/2025

Governo dos EUA não cancelou o visto do general Paiva

Política
Não há registros oficiais ou declarações que confirmem a afirmação de uma postagem segundo a qual o visto do comandante do Exército teria sido cancelado pela Casa Branca. Além disso, o Exército afirmou que a informação é falsa.

Diferentemente do que diz um post no X, o visto do general Tomás Paiva não foi cancelado pelo governo dos EUA. O conteúdo verificado mostra uma foto do militar e um texto, com alguns erros de português, alegando que o visto do general foi cancelado pelo atual secretário de Estado dos Estados Unidos, Marco Rubio. O Comprova não encontrou nenhuma publicação de Rubio sobre o assunto.

Os EUA cancelaram os vistos dos ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso, de servidores ligados ao Ministério da Saúde e do próprio ministro Alexandre Padilha, e do advogado-geral da União, Jorge Messias. Em todos os casos de cancelamento de vistos, a informação foi divulgada em sites oficiais do governo americano. Não há registros envolvendo o nome de Paiva.

O Comprova também procurou o Centro de Comunicação Social do Exército para verificar se haveria alguma sanção a Paiva. Em resposta, a assessoria declarou que a informação é inverídica e lamentou “publicações especulativas e irresponsáveis” divulgadas nas redes sociais.

Ao checar o site do Departamento de Estado americano, a reportagem constatou que a mais recente nota que cita representantes brasileiros foi divulgada no dia 16 de outubro. Ela trata da reunião entre Marco Rubio, o representante de Comércio dos EUA Jamieson Greer, e o chanceler brasileiro Mauro Vieira.

O ato mais recente do governo dos EUA que envolve sanções a cidadãos do Brasil ocorreu em 22 de setembro, quando a esposa do ministro do STF Alexandre de Moraes, Viviane Barci de Moraes, foi adicionada ao rol de afetados pela Lei Magnitsky.

É sabido, contudo, que bolsonaristas fizeram uma articulação política que visava incluir Paiva na relação de pessoas sujeitas à punição com o cancelamento do visto americano, conforme noticiado pelo Estadão em setembro

Foi anunciado, à época, que o procedimento estava sendo analisado pela administração dos EUA. O argumento era que o general teria um vínculo estreito com o ministro Alexandre de Moraes.

Quem criou o conteúdo investigado pelo Comprova

O perfil que publicou o conteúdo costuma compartilhar postagens de teor político e provocativo, frequentemente críticas a autoridades e instituições brasileiras. O tom da publicação é sensacionalista e parece buscar engajamento e polarização.

Não foi possível confirmar se o responsável pela publicação é o autor original da imagem ou apenas a republicou de outra fonte. Até o momento, não houve resposta ao contato para verificar as fontes ou as intenções por trás da postagem.

Por que as pessoas podem ter acreditado

A publicação usa várias táticas para enganar e convencer o público. Ela menciona nomes verdadeiros, como o senador americano Marco Rubio e o general brasileiro Tomás Miguel Ribeiro Paiva, o que dá aparência de credibilidade, mesmo sem apresentar provas. Ao usar figuras conhecidas e cargos reais, o texto faz parecer que a informação veio de uma fonte confiável.

O tom usado é firme e urgente, com frases como “hoje eu cancelo o visto” e “a partir de hoje ele está proibido”, o que passa a ideia de que a decisão já foi tomada e que se trata de um fato confirmado. Essa linguagem enfática reduz a chance do leitor questionar ou buscar uma checagem.

A imagem do general fardado reforça a sensação de seriedade e autoridade, dando ao post aparência de um comunicado oficial. O conteúdo mistura informações verdadeiras (nomes e cargos reais) com uma informação falsa (o suposto cancelamento do visto), o que confunde o público e torna o boato mais convincente.

Em resumo, a publicação é convincente porque combina aparência de autoridade, emoção, repetição e ausência de fontes verificáveis, levando muitas pessoas a acreditar e espalhar uma informação completamente falsa.

Fontes que consultamos: Canais oficiais do Departamento de Estado dos EUA, UOL, G1, Estadão e o Centro de Comunicação Social do Exército.

Por que o Comprova investigou essa publicação: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas, eleições e golpes virtuais e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: O projeto Comprova verificou e desmentiu a alegação de que os filhos de Barroso teriam sido deportados dos Estados Unidos ou estariam foragidos. O UOL Confere e o Aos Fatos também publicaram checagens sobre o mesmo tema, concluindo que as informações são falsas.

Notas da comunidade: Não havia notas da comunidade nas postagens no X até o fechamento desta verificação.

Política

Investigado por: 21/10/2025

Imposto sobre prêmio de fisiculturista Ramon Dino é retido nos EUA e pode ser compensado no Brasil

Política
O fisiculturista teve 30% do valor retido na fonte nos Estados Unidos, e esse imposto pode ser compensado no Brasil, conforme a lei vigente.

Diferentemente do que sugere uma publicação feita nas redes sociais, o governo brasileiro não vai cobrar 27,5% de imposto sobre o prêmio recebido pelo fisiculturista Ramon Dino após vencer o Mr. Olympia 2025, realizado nos Estados Unidos. O conteúdo analisado dá a entender que o Ministério da Fazenda, chefiado por Fernando Haddad, seria responsável por reter o valor, quando, na realidade, a tributação deve ocorrer nos Estados Unidos, onde o atleta foi premiado.

A postagem analisada mostra uma montagem com fotos de Fernando Haddad e Ramon Dino, acompanhada do texto: “Após vencer o Mr. Olympia, Ramon Dino deve ganhar um prêmio equivalente a R$ 550 mil. Do total, o governo brasileiro cobrará 27,5% de impostos. Essa é a maneira como o Estado trata seus atletas”. Ela distorce um dado verdadeiro — a existência da alíquota máxima do Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF) — ao atribuir falsamente ao ministro a criação ou imposição dessa cobrança. A regra é antiga, prevista em lei desde 1998, e se aplica a todos os contribuintes brasileiros, sem relação com decisões recentes do governo. No entanto, o prêmio foi pago nos Estados Unidos, país que retém 30% de imposto de renda na fonte sobre valores pagos a artistas e atletas estrangeiros, conforme a Publicação 515 (2025) e o Form 1042-S do Internal Revenue Service (IRS), órgão equivalente à Receita Federal americana.

No Brasil, o manual Perguntas e Respostas do IRPF 2024, da Receita Federal, confirma que o imposto pago no exterior pode ser compensado no Brasil até o limite do que seria devido aqui (27,5%). Como a alíquota americana é superior, não há imposto adicional a pagar no país, desde que o atleta comprove o recolhimento nos EUA. Em nota enviada ao Comprova, a assessoria do Ministério da Fazenda encaminhou posicionamento da Receita Federal, que afirma: “Não compete à Receita Federal decidir quem será ou não tributado, isso é previsto por leis aprovadas pelo Congresso Nacional”. O Ministério também destacou que a tabela progressiva do IRPF não foi alterada durante a atual gestão e que nenhuma medida nova foi criada por Haddad. A Receita reforçou que a tributação de atletas segue as mesmas regras aplicadas a todos os contribuintes.

O Comprova entrou em contato com o Instituto Mises Brasil, responsável pela publicação analisada, e com o atleta Ramon Dino. Não houve resposta até a publicação desta verificação.

Quem criou o conteúdo investigado pelo Comprova

A publicação foi feita pelo Instituto Mises Brasil, organização que se apresenta como uma “think tank, organização com objetivo de disseminar conhecimentos sobre diversos assuntos, voltada à produção e à difusão de estudos econômicos e de ciências sociais que promovam os princípios de livre mercado e de uma sociedade livre”. Em suas redes sociais e site oficial, o instituto compartilha conteúdos alinhados ao liberalismo econômico e ao antiestatismo, além de defender posições contrárias a ideologias associadas à esquerda, como o marxismo, e à intervenção estatal na economia.

O perfil possui mais de 62 mil seguidores no X e costuma publicar mensagens críticas a políticas públicas, à tributação e à atuação do governo federal. O post verificado foi publicado em 14 de outubro de 2025 e, até 20 de outubro, já havia registrado 3,2 milhões de visualizações na plataforma, além de milhares de curtidas, republicações e comentários com críticas à carga tributária.

A linha editorial e as publicações do Instituto Mises Brasil indicam uma intenção de crítica ideológica ao Estado e à atuação do governo federal, frequentemente explorando temas econômicos em tom político. Nesse caso, a associação entre a imagem de Fernando Haddad e o prêmio esportivo de Ramon Dino reforça uma narrativa de oposição à intervenção estatal e à tributação, ainda que sem base factual.

Por que as pessoas podem ter acreditado

A publicação utiliza a tática da descontextualização ao afirmar que “o governo brasileiro cobrará 27,5% em impostos” sobre o prêmio, sugerindo que o Estado brasileiro pune atletas de sucesso. Além disso, observa-se o uso de apelo à emoção e exagero/alarmismo, reforçando a narrativa de que o atleta é penalizado por seu esforço, com frases como “essa é a maneira como o estado trata seus atletas”. Essa linguagem estimula sentimentos de injustiça e indignação, levando o público a reagir impulsivamente contra a carga tributária nacional, sem considerar os aspectos legais internacionais envolvidos.

O que dizem os especialistas?

A publicação analisada induz o público à crença de que o governo brasileiro teria taxado o prêmio do fisiculturista Ramon Dino, quando, na realidade, trata-se da aplicação normal das regras de tributação internacional. O caso envolve dois sistemas distintos — o dos Estados Unidos, onde o prêmio foi pago, e o do Brasil, onde o atleta é residente fiscal. O advogado tributarista Carlos Eduardo Navarro, ouvido pelo Comprova, explicou que a premiação recebida no exterior é considerada rendimento tributável no Brasil, devendo ser declarada como tal, ainda que o imposto já tenha sido pago em outro país.

“É claro que, a depender do que a pessoa tem de outros rendimentos ou despesas, ela pode restituir toda ou parte desse valor. Então, é como se fosse um rendimento do trabalho: uma pessoa que recebe seu salário e, no ano seguinte, faz a declaração pode ter que complementar ou restituir a tributação inicial”.

Segundo Navarro, a legislação brasileira permite o abatimento do imposto pago no exterior, desde que ele tenha sido recolhido ao governo federal americano — o que impede a bitributação.

“Agora, da perspectiva do direito internacional, também é verdadeiro que eventual tributação federal — e esse é um aspecto importante — sofrida nos Estados Unidos pode ser abatida do tributo brasileiro. Ele poderia lançar um crédito referente à tributação que tenha ocorrido lá, mas apenas sobre a parcela federal do imposto, porque os Estados Unidos também cobram imposto de renda em nível estadual. Eu não sei em qual estado ocorreu o campeonato, mas é provável que ele sofra duas exigências: uma do fisco federal e outra do fisco estadual. E ele só pode compensar aqui a parcela federal.”

O Mr. Olympia 2025 aconteceu no Resort World Las Vegas, em Nevada. De acordo com a organização Tax Foundation, Nevada é um dos poucos estados do país que não cobram imposto de renda dos seus cidadãos, sejam eles norte-americanos ou estrangeiros. Isso significa que a exigência para Ramon seria apenas pagar a taxa nacional, de 30%.

O advogado esclareceu ainda o funcionamento do carnê-leão, sistema utilizado por contribuintes brasileiros para declarar rendimentos obtidos no exterior, independentemente do valor ter sido trazido ao país.

“O carnê-leão é usado quando não há retenção de imposto na fonte. Vamos pensar numa pessoa que é empregada sob regime CLT: a empresa faz a retenção, e ela não precisa pagar o carnê-leão. Em regra, o sistema serve para duas situações importantes — quando o contribuinte recebe de uma pessoa física, que não faz retenção de IR, ou quando recebe rendimentos do exterior”.

Navarro também comentou o erro de interpretação em declarações da esposa do atleta, que afirmava que o imposto só seria devido se o valor fosse transferido ao Brasil.

“O Brasil não tributa o dinheiro que vem; tributa o dinheiro ganho, independentemente do país. Ou seja, o Dino terá de pagar imposto no Brasil, via carnê-leão, mesmo que não traga o dinheiro. O fato gerador é o recebimento — se ele recebeu o valor em outubro, precisa declarar e pagar o imposto referente a este mês, trazendo ou não o valor. Se trouxer no ano seguinte, nada muda”.

Por fim, o advogado afirmou que, caso os 30% retidos nos Estados Unidos sejam integralmente de natureza federal, o valor será suficiente para quitar o imposto devido no Brasil, sem necessidade de pagamento adicional.

“Ele deve declarar o crédito do imposto pago nos Estados Unidos. E como lá a alíquota é maior do que a brasileira, provavelmente não terá recolhimento adicional a fazer”.

A explicação do tributarista confirma que não há nova cobrança de imposto criada pelo governo brasileiro e que o valor já retido nos Estados Unidos cobre integralmente a tributação devida, desde que o atleta apresente os comprovantes do IRS à Receita Federal.

Fontes que consultamos: Ministério da Economia, Receita Federal do Brasil, IRPF 2024, Internal Revenue Service (1, 2) e advogado tributarista Carlos Eduardo Navarro.

Por que o Comprova investigou essa publicação: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas, eleições e golpes virtuais e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: O Comprova desmentiu, em 2024, que o Governo Federal impôs tributos sobre as medalhas recebidas por atletas na Olimpíada de Paris. Além disso, falas e ações do ministro Fernando Haddad são frequentemente alvo de desinformação nas redes. O projeto já checou, por exemplo, um post que inventava uma declaração em que ele culpava exclusivamente a gestão anterior por problemas econômicos e mostrou que Haddad defendeu estabilidade no serviço público com regras de desempenho, e não o fim dela.

Notas da comunidade: A nota da comunidade anexada por usuários do X informa que o prêmio é de US$ 100 mil, que os Estados Unidos retêm 30% de imposto na fonte sobre prêmios pagos a não residentes (conforme IRS Publication 515 e Form 1042-S) e que esse valor pode ser compensado no Brasil, de acordo com o IRPF 2024. O conteúdo da nota está correto e confirma o mesmo contexto verificado pelo Comprova, ajudando a corrigir a desinformação original publicada pelo Instituto Mises Brasil.

Política

Investigado por: 20/10/2025

Relato de advogado não prova que ordem de prisão contra mulher que vive nos EUA foi ilegal

Política
A acusação de que o ministro Alexandre de Moraes, do STF, ignorou os trâmites legais de cooperação no caso de Flávia Cordeiro Magalhães não se sustenta diante das evidências disponíveis.

Não há provas de que o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes tenha ignorado trâmites formais de cooperação jurídica e penal internacional ao pedir a prisão de uma brasileira que mora nos Estados Unidos.

Flávia Cordeiro Magalhães diz ter cidadania americana e morar nos Estados Unidos há mais de 20 anos. O advogado dela, Paulo Faria, afirmou que agentes da Polícia Federal (PF) teriam ido ao país norte-americano para vigiá-la e prendê-la à revelia das autoridades locais, o que seria ilegal. O Comprova entrou em contato com Faria, mas ele não apresentou provas do que disse.

Segundo professores de Direito Internacional e Penal da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Federal Fluminense (UFF), consultados pelo Comprova, os elementos do relato do advogado – caso de fato constem no processo – levam a crer o contrário do que ele afirma: que os trâmites legais de cooperação internacional foram seguidos por Moraes (detalhes mais abaixo).

Flávia passou a ser investigada pela PF após publicar em sua conta no X, em 15 de junho de 2023, que Moraes teria visitado o chefe do Primeiro Comando da Capital (PCC), Marcola, na cadeia. “O narco-tráfico (sic) está dentro do STF”, escreveu na postagem. O ministro nunca visitou o criminoso, como mostrou checagem do site Aos Fatos.

Em 8 de fevereiro de 2024, Alexandre de Moraes determinou a prisão preventiva de Flávia pelos crimes de associação criminosa e incitação ao crime. “A investigada insiste no descumprimento de decisões por mim anteriormente proferidas ao continuar divulgando notícias fraudulentas nas redes sociais”, justificou Moraes. No mandado, aparece ainda o nome Flávia Magalhães Soares, que consta na cidadania americana de Flávia, segundo ela afirma em vídeo nas redes sociais.

A alegação de que Moraes determinou que a PF fosse aos EUA vigiar e prender Flávia foi feita por Paulo Faria nas redes sociais. A postagem atingiu mais de 700 mil visualizações e 4 mil compartilhamentos no X. O relato dele deu origem a uma série de outros posts e foi repercutido por Flávia em entrevistas. Em pelo menos uma delas, Flávia diz que a ordem de Moraes não era para a PF prendê-la nos EUA, mas sim sequestrá-la.

Segundo Faria, Flávia foi incluída no chamado inquérito das fake news, que tramita sob sigilo no STF e tem Moraes como relator. O advogado diz ter tido acesso recente aos autos, onde consta, segundo ele, prova de que o ministro do STF determinou a ordem ilegal. O Comprova pediu a Faria acesso a esses documentos, mas o advogado não quis compartilhá-los.

O Comprova procurou o STF, que não comentou, sob o argumento de que “os processos citados na postagem tramitam em sigilo”. A PF não respondeu.

Quem criou o conteúdo investigado pelo Comprova

Paulo Faria é advogado de Flávia e também do ex-deputado federal Daniel Silveira, que foi condenado pelo STF, em 2022, a oito anos e nove meses de prisão pelos crimes de ameaça ao Estado Democrático de Direito e coação no curso do processo. Atualmente, Silveira cumpre pena em regime aberto.

Flávia Magalhães se descreve em seu perfil no X, no qual tem mais de 78 mil seguidores, como pernambucana, cidadã americana, republicana e conservadora. E diz lutar para que todos tenham liberdade de expressão. Ela faz parte do movimento evangélico Yes Brazil USA, que já organizou eventos com o ex-presidente Jair Bolsonaro em Orlando, nos EUA, como uma motociata em junho de 2022 e uma palestra em fevereiro de 2023. Na ocasião, Bolsonaro fez seu primeiro discurso como ex-presidente e incentivou apoiadores a questionar o resultado das urnas.

Recentemente o Comprova mostrou que era enganosa uma postagem de Flávia que alegava que correntistas corriam risco de perder dinheiro em caso de sanção dos EUA contra a instituição.

Por que as pessoas podem ter acreditado

O post insinua a existência de uma ação coordenada e ilegal de autoridades brasileiras nos Estados Unidos e cita documentos para dar uma aparência de autenticidade ao que afirma, mas sem apresentá-los. O tom de indignação e sensação de injustiça constituem intenso apelo emocional capaz de mobilizar internautas contra uma figura específica, no caso, Alexandre de Moraes. A estratégia pode reduzir o senso crítico e favorecer o compartilhamento impulsivo. O tom de descoberta de algo que Moraes supostamente buscava esconder pode levar as pessoas a acreditarem no relato.

Advogado não fornece prova do que alega

O Comprova consultou o Banco Nacional de Medidas Penais e Prisões do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e encontrou apenas o mandado de prisão preventiva expedido por Moraes contra Flávia em 8 de fevereiro de 2024. O mandado é válido até 2030.

O advogado de Flávia afirma que o ministro teria decretado a prisão dela “na calada da noite” do dia 30 de dezembro de 2023, mas não há registro disso no banco do CNJ.

Em contato com o Comprova, o advogado disse que o mandado de prisão teria sido encaminhado ao Oficialato da Polícia Federal em Miami, um posto da corporação brasileira que atua junto ao Immigration and Customs Enforcement (ICE) – o órgão americano responsável pelo controle de imigração e alfândega.

Segundo Faria, o mandado teria sido enviado por um delegado responsável pelo setor de Coordenação-Geral de Cooperação Policial Internacional (CGCPOL-DCEPF). O ofício também teria sido mandado à Embaixada dos EUA em Brasília.

O Comprova não conseguiu confirmar essas informações nem com a PF, nem com o ICE, nem com a Embaixada. Segundo Faria, os documentos constam dos autos do processo sigiloso contra Flávia, ao qual a reportagem não teve acesso.

No relato ao Comprova, o advogado conclui que, se houve encaminhamento da ordem de prisão a um agente da PF em Miami, é para que a ordem seja cumprida. Em caso contrário, o agente estaria cometendo o crime de prevaricação. É assim que Faria sustenta a afirmação de que o STF, na pessoa de Moraes, deu sim ordem para que a PF prendesse Flávia em solo americano.

Mas os professores de Direito consultados pelo Comprova afirmam que a conclusão não faz sentido e não caberia falar em crime de prevaricação neste caso (entenda abaixo).

Já sobre a alegação de que a PF “vigiou” Flávia nos Estados Unidos, o advogado explica que se baseia em declarações dela própria. Flávia teria ouvido de pessoas que estavam em uma manifestação política em Fort Lauderdale, na Flórida, em novembro de 2024, que a PF estaria no local para vigiá-la.

Faria afirmou que a pessoa que vigiava Flávia naquela ocasião foi identificada. “Tomaremos as medidas cabíveis em Miami, e repassando as informações às autoridades americanas, inclusive fotos e nome”, afirmou.

Flávia pode ser processada pela Justiça brasileira

O Comprova consultou o professor de Direito Penal da Universidade Federal Fluminense (UFF) Rodrigo de Souza Costa, a professora de Direito Penal da Universidade de São Paulo (USP) Helena Lobo da Costa e a doutora em Direito Internacional Cynthia Soares Carneiro, professora da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da USP.

Todos explicaram que a PF e o STF podem sim investigar e processar uma pessoa que vive no exterior, seja ela estrangeira ou naturalizada estrangeira. Mas desde que tenha cometido crime no Brasil ou com efeitos no país.

Caso seja expedido um mandado de prisão, os professores afirmaram que o procedimento a ser seguido é o de cooperação penal internacional via pedido de extradição ao país em que o acusado se encontre – pedido este que pode ou não ser deferido.

Da mesma forma, explicam, é necessária autorização do Estado estrangeiro para que agentes brasileiros possam realizar investigações no exterior.

Elementos apontam trâmites legais

Na avaliação dos professores consultados, os elementos informados pelo advogado Paulo Faria levam a crer que os trâmites legais de cooperação internacional foram seguidos.

“Ele está relatando os trâmites de um pedido de extradição”, disse Cynthia Carneiro. “A comunicação que é relatada pelo advogado é entre as instituições que compõem a Interpol. Não tem nada de abusivo ou ilegal”.

Segundo a professora, a Coordenação-Geral de Cooperação Policial Internacional (CGCPOL-DCEPF) é o órgão da PF que administra a cooperação jurídica internacional e integra a Organização Internacional de Polícia Criminal (Interpol).

No organograma da PF, consta que o setor é vinculado à Diretoria de Cooperação Internacional (página 26 do PDF).

O ICE é a polícia migratória americana. O órgão consta vinculado ao Oficialato da PF em Miami no site da organização brasileira. No site do ICE, aparece notícia de colaboração entre o órgão e a PF.

A Embaixada dos EUA em Brasília, também citada pelo advogado como tendo recebido o mandado de prisão contra Flávia, pode ter participação necessária em pedidos de extradição, de acordo com Cynthia.

“Como o pedido de extradição pode demandar acordos entre os Estados, é necessária a participação da Embaixada nesta modalidade de cooperação jurídica internacional, pois só o embaixador pode assinar acordos internacionais”, explicou a especialista em Direito Internacional.

Rodrigo Costa acrescenta: “Se o trâmite se dá a partir do delegado responsável pela área de cooperação policial internacional, isso é um indício de que, se há alguma ação sendo feita, ela está sendo (feita) a partir de trâmite junto às autoridades americanas”.

Helena Lobo vai no mesmo sentido. “Não me parece que um policial brasileiro pegou o mandado embaixo do braço para tentar prendê-la nos Estados Unidos. As informações são de comunicação entre autoridades ligadas à cooperação internacional”.

Sobre crime de prevaricação levantado por Faria caso um agente da PF não cumprisse uma suposta ordem ilegal de Moraes, Rodrigo Costa diz que a alegação não faz sentido: “Ordens ilegais não devem ser cumpridas, não há que se falar em prevaricação”.

Fontes que consultamos: O Comprova analisou postagens nas redes sociais e consultou o advogado Paulo Faria. Além de buscar o STF e a PF, a reportagem também buscou a Embaixada dos Estados Unidos, que pediu para que as questões fossem remetidas às autoridades brasileiras. A Procuradoria-Geral da República (PGR) respondeu que o Ministério Público Federal (MPF) não comenta processos sob sigilo. O Ministério da Justiça, também procurado, disse que “não se manifesta em relação a casos concretos e individualizados, pois correm sob sigilo de acordo com a Lei Geral de Proteção de Dados”. Já o ICE não respondeu.

Por que o Comprova investigou essa publicação: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas, eleições e golpes virtuais e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: Sobre o caso de Flávia Magalhães, o Comprova mostrou no ano passado que Alexandre de Moraes não cometeu crime ao determinar a prisão dela.

Notas da comunidade: Não havia notas nas postagens no X até o fechamento desta matéria.

Contextualizando

Investigado por: 17/10/2025

Entenda impacto dos juros altos no financiamento rural

Contextualizando
Publicações alegam que governo federal teria deixado de conceder apoio e não tomado medidas para reduzir endividamento dos agricultores.

Conteúdo analisado: Publicação alega que os produtores rurais estão desistindo de plantar por estarem mais endividados do que em anos anteriores e enfrentando maior dificuldade para ter acesso a crédito. Diz ainda que o governo federal teria “virado as costas” para quem produz alimentos, prejudicando o agronegócio com juros altos e falta de incentivo.

Onde foi publicado: X.

Contextualizando: Uma publicação atribui ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) a responsabilidade por um suposto abandono dos produtores rurais endividados em razão das altas taxas de juros.

De fato, a taxa Selic foi mantida em 15% ao ano, o maior patamar desde 2006. No entanto, esse índice é decidido pelo Comitê de Política Monetária (Copom), um órgão independente, e não pelo governo federal, como sugere a publicação. Além disso, também não é verdade que o crédito rural e outras medidas para apoiar pequenos e médios agricultores tenham deixado de ser implementadas.

Em julho de 2025, o governo federal lançou uma nova edição do Plano Safra, que abrange linhas de crédito como o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) e o Programa Nacional de Apoio ao Médio Produtor Rural (Pronamp). Já em setembro, criou uma linha de crédito para liquidar operações de agricultores cujas atividades foram prejudicadas por eventos climáticos adversos.

O que ocorreu foi que o patamar de crédito previsto pelo governo federal não cresceu acima da inflação no Plano Safra 2025/2026. A estimativa é de R$ 516,2 bilhões, apenas R$ 8 bilhões a mais do que no ciclo anterior (R$ 508,6 bilhões em 2024/2025) — um aumento nominal de 2%, inferior à inflação acumulada do período, estimada em 5,32%. A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) criticou o reajuste, considerando-o insuficiente diante do aumento dos custos de produção.

Para efeito de comparação, em 2023 foram disponibilizados R$ 471,2 bilhões. Já em 2022, no então governo de Jair Bolsonaro (PL), foram concedidos R$ 364 bilhões aos produtores rurais.

O economista Eduardo Araújo, mestre em Políticas Públicas pela Universidade de Oxford, ouvido pelo Comprova, destaca que o volume total de crédito rural concedido continua em patamar elevado, com cerca de R$ 380 bilhões no ciclo 2024/2025, contra R$ 248 bilhões em 2020/2021, um crescimento nominal de aproximadamente 54%, de acordo com dados do Boletim do Crédito Rural e do Programa de Garantia da Atividade Agropecuária (Proagro), do Banco Central.

Enquanto o Plano Safra representa o volume autorizado e as condições de financiamento anunciadas pelo governo, o boletim do Banco Central mostra quanto desse crédito foi efetivamente executado pelos agentes financeiros ao longo do ciclo.

Ao comparar o montante empenhado em 2024/2025 com o ciclo anterior 2023/2024, nota-se uma leve queda no montante de crédito rural concedido. Um dos fatores, segundo o economista, é a alta taxa de juros.

“É verdade que houve uma leve redução em relação ao pico do ciclo anterior (2023/2024), mas isso está mais relacionado ao custo dos juros, que seguem em níveis historicamente altos, do que a uma restrição deliberada de crédito”, ressalta.

Eduardo Araújo avalia, no entanto, que os juros em alta não podem ser entendidos como o único fator que afeta essa desaceleração.

“O que observamos é um conjunto de elementos que explicam essa leve desaceleração: o ciclo de expansão anterior já vinha em ritmo forte, o que naturalmente impõe um limite de crescimento; há também um cenário econômico mais conservador, que leva o produtor a planejar com mais cautela suas operações de financiamento; e fatores externos, como a instabilidade nos mercados internacionais e as tensões comerciais entre Estados Unidos e China, que afetam a confiança e os preços de exportação”, contextualiza.

Produtores relatam maior dificuldade em acessar crédito

Ao Comprova, o assessor técnico da CNA Guilherme Rios afirmou que os produtores, em especial os de menor porte, têm relatado um endurecimento por parte dos agentes financeiros em conceder crédito, em razão do atual cenário de endividamento, passando a exigir garantias reais mesmo em operações de menor porte. “Além disso, os limites de crédito ofertados estão menores em comparação à última safra, reforçando um ambiente de maior cautela entre as instituições financeiras”, disse.

A percepção dos produtores diz respeito à mudança implementada em junho pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), órgão composto pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad; pela ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet; e pelo presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo.

O Proagro deixou de cobrir parte dos médios produtores. O limite de enquadramento no seguro rural, que cobre eventuais inadimplências dos produtores que contraem empréstimos, caiu de R$ 270 mil para R$ 200 mil por ano agrícola.

Em nota, o Banco Central (BC) informou que a redução do limite permitirá a concentração do programa na agricultura familiar e a abertura de espaço para ampliar o seguro rural a produtores recorrentemente afetados por eventos climáticos, sem impacto no orçamento do Proagro.

Guilherme Rios destacou, por fim, que as taxas anunciadas no Plano Agrícola e Pecuário 2025/2026, especialmente para médios e demais produtores, estão mais elevadas em comparação às da safra anterior. “O PAP 2024/2025 foi lançado com a taxa Selic em 10,5% ao ano, enquanto o atual plano safra foi anunciado com uma Selic de 15% ao ano, ou seja, com cenários econômicos distintos”, manifestou.

Qual o real impacto da alta nos juros

Na avaliação do economista, o aumento das taxas de juros impacta o produtor rural, mas esse efeito pode ser parcialmente atenuado pelo próprio funcionamento do sistema de crédito rural, que opera com subsídios e equalização de taxas definidos pelo governo federal.

“Na prática, o Tesouro Nacional cobre parte dos juros cobrados pelos bancos, permitindo que os produtores acessem recursos com custos menores do que os de mercado — especialmente nas linhas do Pronaf (agricultura familiar) e Pronamp (médios produtores)”, entende.

A alta na taxa de juros gera, segundo o professor, um efeito difuso sobre o agronegócio e a economia em geral, mas o mecanismo de subsídios do crédito rural ajuda a proteger, em parte, os produtores, especialmente os de menor porte. Ainda assim, pode ocorrer algum tipo de endividamento e, nesse caso, algum impacto sobre novas contratações de crédito.

Diante desse cenário, o economista defende uma leitura equilibrada da situação, considerando que a evolução do crédito rural no país reflete múltiplas variáveis econômicas e conjunturais e não pode ser explicada somente por uma dimensão de gestão ou política específica.

“O que existe hoje é um cenário de ajuste pontual, não de retração estrutural. O crédito rural segue crescendo no longo prazo, e o sistema continua bem abastecido de recursos, especialmente nas linhas direcionadas e com apoio público”, pondera.

Eduardo Araújo destaca, por fim, que não há indícios de que o governo atual tenha alterado o modelo estrutural do crédito rural, uma vez que os programas continuam operando nas normas do Manual de Crédito Rural e das diretrizes do Conselho Monetário Nacional (CMN).

“O que se observa são acréscimos complementares — como linhas especiais para renegociação de dívidas ou alívio temporário para produtores com dificuldade — e ajustes regulatórios, especialmente no Plano Safra 2025/2026 (por exemplo, exigência de zoneamento climático para custeio). Ou seja, houve adaptações pontuais, mas não uma mudança radical na concessão de crédito.”

O Ministério da Agricultura foi procurado, mas não respondeu até a publicação deste texto.

Fontes consultadas: O economista Eduardo Araújo, o assessor da CNA Guilherme Rios, documentos sobre o Plano Safra 2025/2026, boletins do Banco Central e reportagens sobre o tema.

Por que o Comprova contextualizou este assunto: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas e eleições. Quando detecta nesse monitoramento um tema que está sendo descontextualizado, o Comprova coloca o assunto em contexto. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Para se aprofundar mais: O Comprova já publicou outros conteúdos relacionados à concessão de crédito. Explicou, por exemplo, o que mudou no financiamento da Caixa e o que isso diz sobre a situação do banco e a medida provisória voltada a trabalhadores CLT.

Política

Investigado por: 17/10/2025

Ônibus escolar de programa federal custam R$ 421,9 mil, e não R$ 1,8 milhão, como alega vídeo viral

Política
Valor citado em vídeo viral é falso. Documentos oficiais e fabricantes desmentem aumento irregular nos custos do Programa Caminho da Escola.

Diferentemente do que afirma um vídeo que circula nas redes sociais, os ônibus escolares do Programa Caminho da Escola não sofrem alteração de preço de R$ 600 mil para R$ 1,8 milhão quando são entregues a diferentes estados. O valor atualizado do veículo, segundo o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e a fabricante Iveco, é de R$ 421.971,65, em resposta à checagem do mesmo conteúdo ao Estadão Verifica e conforme consta na Ata de Registro de Preços nº 8/2023, documento disponível no Portal da Transparência. 

O conteúdo verificado mostra um homem filmando um ônibus com o logotipo do governo federal e a inscrição “Caminho da Escola”, enquanto afirma que os veículos teriam o preço aumentado irregularmente ao longo da entrega. Ele menciona que os ônibus sairiam da fábrica por R$ 600 mil e teriam a nota fiscal trocada para R$ 1,8 milhão, sugerindo desvio de recursos públicos.

Para o Comprova, a Controladoria-Geral da União (CGU) informou que o FNDE solicitou, em 2023, uma análise sobre os riscos envolvidos na definição da quantidade de veículos a serem adquiridos pela Ata nº 8/2023. O documento foi homologado em dezembro de 2023, sem constatação de impropriedades ou irregularidades. A CGU também iniciou, no segundo semestre de 2025, o planejamento de fiscalizações em nove estados, com trabalho de campo previsto para novembro.

O Tribunal de Contas da União (TCU) afirmou que não há processos em andamento sobre o tema. O único processo relacionado a ônibus escolares foi aberto em 2018 e encerrado em 2020, sem relação com o caso atual.

No vídeo, o autor diz que estaria saindo da fábrica da Mascarello, no Paraná, com destino a Recife. Em nota, a prefeitura de Recife disse que “a informação não é verdadeira, pois a última compra de veículos ocorreu no ano de 2017. Nos últimos três anos, outros três veículos foram repassados pelo governo do estado”. O município reforça, inclusive, que não há qualquer processo licitatório em curso para tal compra. O Comprova tentou contato com a empresa Mascarello e não obteve retorno.

Quem criou o conteúdo investigado pelo Comprova

A publicação investigada foi compartilhada por perfis e páginas com forte viés político, frequentemente alinhados a narrativas de oposição ao governo federal. Esses perfis costumam usar conteúdos sensacionalistas para mobilizar seguidores e gerar engajamento.

O vídeo teve 74,2 mil visualizações e 5 mil curtidas. Ao analisar os perfis que compartilham esse tipo de conteúdo, observa-se um padrão de disseminação de conteúdos que visa desacreditar instituições públicas, gerar indignação e polarização política e reforçar narrativas ideológicas alinhadas a grupos de oposição ao governo atual.

Tentamos contato com o autor do post, mas até o momento da publicação deste texto não houve retorno. O Comprova não conseguiu contatar o perfil que compartilhou o mesmo conteúdo no X, pois ele não permite envio de mensagens.

Por que as pessoas podem ter acreditado

O vídeo pode convencer porque combina recursos visuais e narrativos que sugerem autenticidade e indignação moral. O narrador grava imagens de veículos novos, destacando detalhes concretos. Ao dizer “olha aí, é zero, não tem nem placa” , cria-se a ilusão de uma prova. A fala é espontânea e coloquial, reforçando a impressão de testemunho “de dentro”.

Além disso, o uso de números aparentemente precisos (“R$ 600 mil aqui”, “1 milhão e 800 mil em Brasília”, “10 unidades só hoje”) confere uma falsa sensação de exatidão, embora não exista fonte ou documento que comprove os valores. O vídeo também menciona locais reais (Recife, Brasília, Paraná), o que ajuda a narrativa na realidade e aumenta sua verossimilhança.

Ao insinuar um esquema de corrupção (“a nota é trocada”, “imagina a farra de dinheiro”), o narrador desperta indignação moral, uma emoção para impulsionar o engajamento nas redes. A viralização do conteúdo, por sua vez, reforça o efeito de verdade: quanto mais o vídeo circula, mais ele parece legítimo, mesmo sem qualquer evidência verificável.

Fontes que consultamos: Prefeitura de Recife, Iveco, FNDE e Estadão Verifica.

Por que o Comprova investigou essa publicação: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas, eleições e golpes virtuais e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: O Comprova já fez outras checagens sobre políticas educacionais e mostrou, por exemplo, que os ônibus com adesivo “Escolar” em evento do PT pertenciam a empresas privadas e estavam autorizados a transportar apoiadores da legenda. Mostrou ainda que o Fies foi criado no governo de Fernando Henrique Cardoso.

Notas da comunidade: Não havia “notas da comunidade” nas postagens no X até a publicação deste texto.

Política

Investigado por: 16/10/2025

Não há evidências de que seja real um áudio atribuído a Haddad sobre “compra de apoio”

Política
Fala foi divulgada por influenciador conhecido por difundir áudios falsos e, segundo perito, tem indícios de adulteração.

Ao contrário do que mostra vídeo publicado nas redes sociais, o ministro Fernando Haddad não afirmou que “taxará tudo” e “tem muita gente para comprar apoio” até as eleições de 2026. Postagens no Instagram e Facebook analisadas pelo Comprova mostram um homem reproduzindo áudio atribuído a Haddad, mas que foi desmentido pelo Ministério da Fazenda e contestado por um perito.

No início do vídeo, o criador da publicação afirma que “o Lula te enganou mais uma vez”. Para sustentar o argumento, coloca uma gravação do seu celular, com o suposto áudio, no qual o ministro teria dito que “em ano de eleição, tem muita gente para comprar apoio”, mencionando a Globo e influenciadores digitais.

O Comprova não encontrou registros públicos de que Haddad teria feito essas declarações, o que seria esperado diante da gravidade do assunto. Em nota, o Ministério da Fazenda afirmou que se trata de conteúdo “claramente falso, com manipulação feita por Inteligência Artificial”. “A mesma prática criminosa usada em outras montagens com esse tipo de edição”, aponta o comunicado.

Consultado pelo Comprova, o perito e cientista forense Mauricio de Cunto destacou que o áudio possui fortes indícios de adulteração. “A fala tem baixa expressividade, uma taxa de elocução, um ritmo de fala muito quadradinho, ou seja, a pessoa não pensa para falar, não pensa para respirar”, afirmou.

“Tem esse problema do ritmo, tem o problema semântico, ou seja, o que ele está falando? Ou seja, é lógico ele estar falando isso? É claro que não”, opinou. “O ritmo, a entonação e a prosódia são estranhas, ou seja, é como se ele estivesse lendo um texto que não tem emoção.”

Quem criou o conteúdo investigado pelo Comprova

O dono do perfil analisado costuma fazer vídeos dele mesmo comentando sobre notícias e acontecimentos na política brasileira e norte-americana, com manifestações em apoio à direita, ou seja, a favor do presidente Donald Trump e contra Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e integrantes do Governo Federal. A publicação em questão teve cerca de 52,8 mil curtidas no Instagram e 117 mil visualizações no Facebook, até o dia 15 de outubro.

Além disso, ele também fez outras publicações checadas por portais de verificação de fatos. Em 5 de setembro, o Estadão publicou uma matéria destacando ser falso um áudio que o homem divulgou, em que o apresentador William Bonner teria dito que ajudou a eleger Lula em 2022. Já em 4 de setembro, o mesmo veículo apontou ser falsa outra gravação mostrada pelo homem, na qual o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes teria ameaçado o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União), em caso também investigado pelo Uol.

O dono da conta também já foi checado pelo Aos Fatos. Ele exibiu áudios falsos em que os ministros do STF Luís Roberto Barroso e Moraes supostamente lamentam ter sido sancionados pelos Estados Unidos com a Lei Magnitsky.

O Comprova tentou contato com o autor da postagem, mas não obteve retorno até a publicação deste texto. O espaço está aberto para manifestações.

Por que as pessoas podem ter acreditado

O conteúdo é convincente, pois o criador do vídeo apresenta um áudio de uma fala supostamente dita por Haddad, agregando credibilidade. As declarações possuem fortes indícios de manipulação, com falas que estimulam sentimentos de indignação moral, como “Vai ter mais taxação para o cidadão e o trabalhador”. O criador do vídeo também faz apelos emocionais, como ao afirmar que “o Lula te enganou mais uma vez”.

A informação em questão também não aparece em nenhum veículo de imprensa profissional e, portanto, tende a não ser verídica.

Fontes que consultamos: Ministério da Fazenda e o perito e cientista forense Mauricio de Cunto; checagens do Estadão [1] [2], Aos Fatos e Uol

Por que o Comprova investigou essa publicação: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas, eleições e golpes virtuais e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: O Comprova já realizou outras checagens envolvendo Haddad, como quando postagens tiraram de contexto uma fala dele sobre servidores públicos e inventaram uma declaração de que o ministro teria culpado exclusivamente a gestão anterior por problemas econômicas.